“O fenômeno da judicialização da saúde expressa reivindicações e modos de atuação legítimos de cidadãos e instituições, para a garantia e promoção dos direitos de cidadania amplamente afirmados nas leis internacionais e nacionais. O fenômeno envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários, que vão muito além de seu componente jurídico e de gestão de serviços públicos.” (VENTURA et al., 2010, p. 78).
Em apertada síntese, o fenômeno da judicialização da saúde pública se dá “quando por mera incúria estatal ou nos vazios assistenciais temos as principais razões para busca do Judiciário na mediação e resolução das demandas que atentam ao consubstanciado, direito expectativo.” (NOBRE; NEVES, 2022, p. 171).
A realidade deste crescente fenômeno (social) no Estado do Espírito Santo reflete apenas a realidade do que acontece no restante do país, por conseguinte a Secretaria de Estado da Saúde - SESA vem mobilizando esforços no intento de mitigar as razões, que lhe sejam inerentes, para que, sob ações estatais efetivas, possa ser evitada a judicialização desnecessária ou extravagante.
No princípio, as demandas judiciais endereçadas à SESA (registros disponíveis desde 2005) eram tratadas no Gabinete do Secretário, contudo o aumento exponencial dessas obrigou uma nova conformação da Secretaria e da Procuradoria Geral do Estado, para defender o Estado e dar conta do cumprimento das liminares. (NOBRE; NEVES, 2022, p. 172-3). Esta hodierna configuração demandou especialização da Procuradoria, estruturação de uma central na Secretaria e capilarização de setores correlatos nas mais diversas unidades de assistência da administração direta, sobretudo nas Superintendência Regionais de Saúde.
Neste interim, há que se destacar o Programa Estadual para a Desjudicialização do Acesso ao Sistema Único de Saúde, instituído pela Portaria Conjunta SESA/ PGE n. 003-R, de 23 de setembro de 2021, “com o propósito de promover a defesa judicial do SUS, reduzir o número de conflitos judiciais em matéria de saúde pública, prevenir fraudes e tornar mais racional, eficiente e econômico o cumprimento de decisões judiciais na saúde, assegurando o atendimento, adequado e no tempo certo, aos usuários que demandam acesso ao direito à saúde por meio do Sistema de Justiça.”
Apenas após a instituição do Programa é que por meio do Decreto n. 4974-R, de 29 de setembro de 2021, foi “criada e incluída na estrutura organizacional básica da” SESA a Gerência de Demandas Judiciais em Saúde - GEDEJ, sob a qual compete:
I. promover, no âmbito da SESA, o atendimento de demandas judiciais e extrajudiciais que tenham por objeto a assistência à saúde;
II. receber intimações e notificações judiciais dirigidas à SESA;
III. oferecer subsídios para a defesa judicial do SUS;
IV. prestar apoio técnico para auxiliar o Poder Judiciário nos julgamentos em matéria de direito à saúde;
V. realizar o monitoramento e a gestão da informação sobre a judicialização da saúde;
VI. estruturar as rotinas para a detecção tempestiva de indícios de fraude em processos judiciais na saúde;
VII. desenvolver mecanismos de transparência e de resolução de litígios de saúde;
VIII. acompanhar e supervisionar o cumprimento de ordens judiciais incumbidas a outras unidades da SESA e a rede de serviços próprios e complementares;
IX. expedir declaração de cumprimento de decisões judiciais;
X. propor, executar e supervisionar acordos, convênios e termos de colaboração com instituições do Sistema de Justiça ou com entidades da sociedade civil sem fins lucrativos para dar consecução a políticas e programas voltados à prevenção de conflitos judiciais e a desjudicialização do acesso à Saúde.
NOBRE, Andrea Maria Nunes. NEVES, Fabrício Santos. Vivências do setor de judicialização da SESA na pandemia da covid-19: reflexões, teletrabalho e a relação com a jurisdição. In: SANTOS, Fabiano Ribeiro dos; ROCHA, Italo dos Santos; GUARNIERI, Jaqueline Miotto; PORTES, Virgínia de Menezes Portes (Orgs.). Gestão do trabalho nas redes de saúde: aprendizagens no desenvolvimento do Sistema Único de Saúde no Espírito Santo. Porto Alegre: Rede Unida, 2022. p. 170-188.
VENTURA, Miriam; SIMAS, Luciana; PEPE, Vera Lúcia Edais; SCHRAMM, Fermin Roland. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 77-100, 2010.